27/4/2009
Genoma da vaca é sequenciado

Um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, sequenciou pela primeira vez o genoma de um animal bovino – uma vaca da espécie Bos taurus. Um segundo grupo apresentou as primeiras aplicações do sequenciamento: um mapeamento da diversidade genética encontrada entre 20 raças distintas.




Os resultados dos trabalhos realizados por ambos os consórcios foram descritos em dois artigos destacados na capa da edição de sexta-feira (24/4) da revista Science. O sequenciamento, que revela a distinção genética entre o gado, seres humanos e outros mamíferos, é o primeiro realizado com ruminantes e, de acordo com os autores, o primeiro dirigido a uma espécie animal de interesse comercial.



De acordo com um dos participantes brasileiros dos dois consórcios, José Fernando Garcia, coordenador do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular Animal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araçatuba (SP), as informações disponibilizadas pelos trabalhos deverão impulsionar as pesquisas voltadas para o aumento da qualidade da carne e do leite dos países produtores.



"O genoma agora poderá ser explorado em profundidade com o objetivo de solucionar questões bastante práticas. As informações do DNA ajudarão no direcionamento da seleção de animais produtores, com uso de marcadores genéticos que permitirão avaliar, a partir de um único exame nos primeiros meses de vida do animal, características como ganho de peso, produção de leite, maciez da carne e resistência a doenças", disse à Agência FAPESP.



Segundo Garcia, com as técnicas tradicionais de melhoramento genético, as informações de cada animal são geradas a partir da observação fenotípica e do resultado da produção de seus filhotes. "Os dados levam no mínimo quatro anos para conclusão e demandam gastos para sustento de todos os animais e de suas crias."



As pesquisas foram lideradas pelo Centro de Sequenciamento do Genoma Humano do Baylor College of Medicine e pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).



Os consórcios, que envolveram mais de 300 cientistas de diversos países, incluíram pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Departamento de Produção e Saúde Animal da Unesp, em Araçatuba (SP), do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP) e do Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, em Assis (SP).



Garcia explica que o trabalho de sequenciamento foi iniciado há seis anos, em seguida do projeto Genoma Humano, realizado em 2002. "Com a infraestrutura implantada e preços mais baixos, a comunidade científica percebeu que seria possível sequenciar o genoma de espécies de produção. Os códigos genéticos de espécies como rato, macaco e camundongo foram descritos com interesses científicos, mas pela primeira vez temos um inventário genético de uma espécie que produz a maior parte da carne e do leite do planeta", disse.



O genoma bovino é constituído por pelo menos 22 mil genes. As informações foram obtidas a partir do sequenciamento de uma fêmea taurina, da raça Hereford, chamada L1 Dominette. "Em comparação aos genomas de outros mamíferos como o rato e o camundongo, o genoma bovino é o que mais se assemelha ao humano", afirmou.



Os estudos sugerem que os bovinos e outros ruminantes divergiram de um ancestral comum ao dos seres humanos há cerca de 95 milhões de anos. Bovinos e humanos continuam a compartilhar um elevado grau de conservação na organização das arquiteturas dos cromossomos. "Essa proximidade pode auxiliar em pesquisas de doenças humanas, com desenvolvimento de modelos em bovinos", disse Garcia.



Os dados revelados pelo sequenciamento permitem constatar o impacto da seleção de animais. As informações concluem que rearranjos no DNA estão relacionados aos genes envolvidos nos processos de imunidade, lactação, metabolismo e digestão.



"Especula-se que os locais de rearranjo do DNA são pontos que foram focos de seleção nesses animais, seja de forma natural, seja dirigida. Imaginamos que essas mudanças poderiam ajudar a explicar a capacidade dos bovinos em converter, de forma eficiente, alimento de baixa qualidade como o capim, em produtos de energia densa como carne e leite", indicou.



Rebanho brasileiro



Enquanto um dos artigos publicados na Science descreve o sequenciamento do genoma da vaca, o outro apresenta suas primeiras aplicações: a construção de um mapa da diversidade genética entre várias populações, denominado Bovine HapMap.



"A vaca L1 Dominette, que é da raça Hereford, foi comparada com outras 19 raças que diferem pela biologia ou origem geográfica. Os estudos concluíram que o rebanho mundial descende de uma população ancestral muito diversificada que sofreu uma rápida diminuição, provavelmente devido à seleção para o desenvolvimento de raças com finalidades econômicas, sociais ou religiosas", contou Garcia.



A análise, segundo o professor da Unesp, foi possível devido à "assinatura" de seleção existente no genoma bovino, ou seja, alterações em determinadas partes do DNA – pontos conhecidos como polimorfismos de sítio único (SNP, na sigla em inglês) que servem como base para a descoberta de marcadores de DNA.



"As análises mostram que a diversidade genética entre as raças taurinas, de maior ocorrência em países temperados, é inferior à das raças zebuínas, base genética do rebanho tropical, incluindo o caso brasileiro", disse.



O processo de comparação entre as raças e o genoma foi feito por um novo método conhecido como SNP Chip. "A técnica permite a leitura de 50 mil pontos de variação no DNA, o que implica maior agilidade pela possibilidade de automação e redução de custos ao processo. É como um pente fino que analisa todos os pontos de DNA e compara com marcadores que já estão estudados e identificados", explicou.



Segundo Garcia, esse tipo de mapeamento comparativo já era feito no genoma humano e de outros animais, mas sua utilização era mais restrita do que no caso do genoma de uma espécie de produção.



"Essa ferramenta, usada com o objetivo de entender a filogenia da espécie, está sendo usada para saber quais são os fenótipos de interesse comercial, como a termotolerância do bovino, a maciez da carne e outras. Já há uma série de projetos dessa natureza sendo realizados. Teremos muito rapidamente um uso comercial desses dados", disse.



Embora o animal da raça Hereford seja um taurino, Garcia ressalta que "o sequenciamento abre uma avenida de possibilidades para entender melhor os zebuínos", os animais criados no Brasil.



Os taurinos são selecionadas para alta produtividade de leite e carne, mas são menos resistentes a ambientes de alta temperatura e umidade. Os zebuínos, por outro lado, têm menor qualidade de produção, mas são muito mais adaptáveis aos ambientes tropicais.



"O Brasil é o maior produtor de carne por tonelagem e temos potencial para, em breve, sermos exportadores de leite. Para isso, teremos que melhorar a qualidade de produção, mas não podemos trocar o rebanho, que foi selecionado por muitas décadas. Com esse tipo de informação genética, poderemos melhorar os quesitos de qualidade sem perdas das características de adaptabilidade. Esse sequenciamento criou uma base para facilitar a pesquisa com zebuínos", destacou.



Os artigos The genome sequence of taurine cattle: A window to ruminant biology and evolution e Genome-wide survey of SNP variation uncovers the genetic structure of cattle breeds podem ser lidos por assinantes da Science em www.sciencemag.org.


Fonte: Grupo Cultivar

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