17/3/2009
Argentina vive crise na pecuária e poderá recorrer à importação

Para analistas, situação foi provocada por intervenção do governo no campo


Um dos pilares do campo argentino, a pecuária enfrenta grave crise no país. Sem rentabilidade interna e com exportações restringidas pelo governo, produtores abatem vacas de cria e migram para outras culturas, como a soja. Cenário que reforça a possibilidade de o país ter que, em dois anos, começar a importar carne.
A crise, dizem analistas, é resultado das intervenções que o governo promove desde 2005 no mercado pecuário, por meio de controle de exportações e preços. A situação é um dos eixos do confronto que campo e governo mantêm há um ano.
"A carne na Argentina historicamente vem sendo usada como instrumento político. Não se tolera uma carne cara, e o governo usa isso politicamente, com controle de preços", diz Gustavo Hardt, coordenador da comissão de carnes da Carbap (Confederação de Associações Rurais de Buenos Aires e La Pampa).
Procurada, a Secretaria da Agricultura informou que não iria comentar o assunto.
Os números revelam problemas. O estoque bovino está em queda -com a seca e o processo de abate de fêmeas em curso, deve cair 2,7 milhões de cabeças em 2008 (5% do total). As exportações de carne caíram 44% desde 2005 (o país foi de terceiro a sexto exportador mundial). O abate cresce (8,3% desde 2006), mas a produção não acompanha (2,1%) porque os animais estão mais leves.
A "liquidação de ventres" é a face mais visível da crise. Ocorre quando o abate de fêmeas supera 43% do total de animais abatidos -a taxa está em torno de 50% desde 2007. "Sem rentabilidade, os produtores vendem as mães para reduzir o negócio ou abandonar a atividade", diz Ernesto Ambrosetti, da Sociedade Rural Argentina.

Importação
Somada ao alto nível de consumo de carne per capita dos argentinos -com 70 kg/ano, é o maior do mundo-, a tendência de queda na produção poderia levar o país a se tornar importador de carne nos próximos anos. "Em 2011 é possível que enfrentemos essa situação", diz Hardt.
Para Juan Naón, vice-decano da Faculdade de Agronomia da Universidade de Buenos Aires, isso não deve ocorrer porque haveria antes uma reacomodação de preços. "A carne argentina é uma das mais baratas do mundo, e importar seria muito mais caro." Ambrosetti concorda: "Em algum momento o governo vai ter que enfrentar o dilema: ou fica sem carne ou eleva os preços".
Enquanto os preços ao produtor ficaram estáveis desde 2005, houve aumento de insumos (50%) e dos preços ao consumidor. "Há uma margem que não chega ao produtor", diz Naón. "As intervenções estatais distorceram a cadeia e os intermediários ficam com a diferença", afirma Ambrosetti.

Migração
A pecuária também está migrando do pampa para regiões de menor produtividade, como o noroeste e o nordeste do país. "Os melhores preços de commodities como a soja deslocaram a pecuária de zonas tradicionais", afirma Naón. Segundo o Crea (Consórcios Regionais de Experimentação Agrícola), para cada 100 vacas levadas a essas zonas, produzem-se 21 bezerros a menos.
Daniel Rearte, coordenador de carnes do Inta (Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária), prefere classificar o momento da pecuária argentina como "novo cenário". Diz que a perda de espaço para cultivos de alta rentabilidade ocorre em outros países, como Uruguai, Colômbia e Equador.

Medidas
Em negociação com o setor rural sobre mudanças na política agropecuária, o governo anunciou neste mês medidas para o setor de carnes, como aumento de cotas de exportação e compensações para produtores de bezerros. Os produtores não parecem satisfeitos. "São paliativos que não geram perspectivas positivas para investir novamente em pecuária como se vinha fazendo", afirma Ambrosetti.

Fonte: Folha de Londrina

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