16/10/2008
Nova Délhi: sêmen bovino vira tema de conversa entre Lula e indianos

O sêmen congelado do gado Zebu é, desde, ontem, um dos mais altos assuntos de Estado entre Índia e Brasil e foi tema de conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh. A pecuária brasileira é prejudicada por não poder importar sêmen para trazer mais variedade genética ao rebanho nacional e o governo da Índia, embora concorde em autorizar a exportação do produto ao Brasil, vem adiando inexplicavelmente a liberação para embarque ao mercado brasileiro.

Tratada até agora por técnicos, a questão do sêmen bovino foi levada aos encontros de ministros da comitiva de Lula, em visita à Índia, nesta semana, e chegou ao encontro dos chefes de Estado. Somou-se a outro problema comercial, as barreiras indianas às exportações de frango e promessas ainda não cumpridas de cotas para o produto. Lula cobrou solução para os dois problemas.

Manmohan Singh disse ter interesse em atender aos apelos brasileiros. Ele e Lula decidiram acompanhar o assunto e criar uma "comissão de monitoramento de comércio", nos moldes das bem-sucedidas comissões criadas pelo Brasil com Argentina, Paraguai, Uruguai e México, para eliminar contenciosos comerciais.

As questões do frango e do sêmen bovino mostram as dificuldades de transformar em decisões concretas a boa vontade dos governos em aproximar as economias - e revelam a utilidade da realização de encontros de chefes de Estado, como o realizado nesta semana, entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas). "A dificuldade para importar sêmen de Zebu é uma limitação importante ao melhoramento genético do rebanho zebuíno brasileiro", preocupa-se o presidente da Embrapa, Sílvio Crestana, que recebeu como missão do ministro da Agricultura, Reinhold Stephannes, unir-se à comitiva de Lula à Índia para tentar arrancar uma solução para o problema.

Empresários brasileiros que investiram na compra de gado indiano para coletar material destinado a inseminação artificial no Brasil estão vendo os touros envelhecerem sem poder aproveitar o sêmen coletado para o melhoramento genético da produção brasileira. Segundo diplomatas brasileiros, acumulam-se exigências e burocracia na liberação do material e não há explicação para a demora no cumprimento das promessas das autoridades indianas. "Essa questão se arrasta desde 2001 e já editamos duas instruções normativas sobre a importação de sêmen, sem resultado na Índia", queixa-se Crestana.

Os peculiares meneios com a cabeça que os indianos fazem para expressar enigmaticamente sim ou não, dependendo das circunstâncias, foram abundantes, também, nas discussões, durante a semana, de outra reivindicação brasileira, a maior facilidade de venda de frango ao mercado indiano. O Brasil pede a concretização das cotas de 100 mil toneladas sem tarifa de importação anunciadas no ano passado para o frango brasileiro e a modificação do atual sistema tarifário, que tributa em 35% as compras de frangos inteiros e em 100% as de partes de frango.

Os indianos dão franca preferência às partes brancas, como o peito, o que torna anti-econômica a venda, para aquele mercado, do bicho inteiro. "Isso funciona como uma barreira muito forte, porque não vale a pena importar o frango inteiro", reclama o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge. A questão foi um dos principais temas levados por Miguel Jorge a reuniões com o ministro do Comércio indiano, Kamal Nath, e o ministro da Agricultura, Sharad Pawar. Os indianos não alimentaram expectativas de redução rápida para as tarifas e afirmaram que o interesse do governo local está na importação de tecnologia do setor, para produção de aves na própria Índia.

"Há um espaço para que façamos joint ventures, e explicamos que, para isso, seria útil criar, primeiro, facilidades de importação", comentou ao Valor, o presidente-executivo da Associação Brasileira dos produtores e Exportadores de Frango (Abef), Francisco Sérgio Turra. "Mostramos que a Sadia começou exportando para outros mercados onde hoje está instalando unidades de produção."

Palestrante no encontro empresarial paralelo à reunião de cúpula dos chefes de Estado, Turra foi abordado por empresários interessados em importar para firmas que planejam estender ao varejo de alimentos suas atividades, hoje concentradas em setores como higiene pessoal. São os chamados "desafiantes", que pretendem disputar espaço com as grandes e recentes cadeias varejistas, como o poderoso grupo Reliance. A própria Reliance também está na mira dos exportadores.

Turra acredita que poderá ter maior poder de convencimento das autoridades indianas caso o setor exportador consiga a associação com empresários indianos do setor de distribuição de alimentos, que começa a se constituir na Índia, antes dominada pelo pequeno comércio. Os produtores locais e varejistas já associados a exportadores dos Estados Unidos fazem pressão contra a abertura aos exportadores do Brasil. Os brasileiros podem entrar no mercado com a tecnologia de beneficiamento e distribuição de frango, algo incipiente na Índia, argumenta Turra. "É um mercado importante, mesmo que só 10% não sejam vegetarianos já são 150 milhões, quase um Brasil", comenta o executivo.


Fonte: Valor Econômico

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