7/7/2008
Grupo revê biologia do mal da vaca louca

O príon, a proteína que causa o mal da vaca louca e sua variante humana, talvez não tenha um efeito tão nocivo quanto se imaginava. Um estudo brasileiro acaba de mostrar que a essência da a enfermidade não está apenas na toxicidade do príon, mas também na ausência da variante "saudável" da proteína que é alterada para criá-lo. Em sua versão "boa", o príon ajuda a formar neurônios e consolidar memória.

O nome técnico da doença priônica em bovinos é encefalopatia espongiforme porque ela corrói tecido nervoso fazendo com que o cérebro adquira a aparência de uma esponja. Em humanos, os príons anômalos causam a doença correlata conhecida como mal de Creutzfeldt-Jakob. Como essas proteínas têm importância para os sistemas nervoso e imunológico, porém, criar um tratamento eficaz é um desafio complexo, pois um medicamento tem de atacar apenas a versão degenerada do príon. E, ainda assim, pode não ser suficiente.

"A grande questão é que talvez [no caso das doenças] esteja faltando mesmo proteína que funcione", diz a Folha o oncologista Ricardo Brentani, pesquisador do Hospital A.C. Camargo, de São Paulo. Ele é o principal autor de um estudo extenso sobre o príon na edição mais recente da revista científica "Phisiological Reviews".

Para o grupo brasileiro, que tem ainda Rafael Linden (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Vilma Martins (Instituto Ludwig), Marco Prado (Universidade Federal de Minas Gerais), Martín Cammarota e Iván Izquierdo (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), não é o excesso de proteína príon anômala, provavelmente, o maior responsável pelo surgimento das doenças do encéfalo.

A versão mais corrente hoje defende a tese de que o acúmulo tóxico de grande quantidade de proteína príon modificada é o que mata os neurônios.

"Fazendo uma analogia simples, é como na hepatite. A falta de "fígado bom", vamos dizer assim, é que pesa mais neste caso, e não a toxicidade do agente causador da doença", afirma Brentani, que investiga a "interessante" proteína há mais de 15 anos. Desde então, ele busca dados para defender a tese apresentada agora.

Os cientistas estão convencidos do lado bom dos príons principalmente em razão dos dados biofísicos obtidos nos últimos anos, no Rio de Janeiro.

"Essa proteína funciona como uma espécie de "âncora" para várias outras proteínas montarem um sistema de sinalização através da membrana celular", diz Linden, da UFRJ. O príon, por isso, está envolvido com uma série de processos fundamentais dos organismos.

E como o tráfego nas células dos mamíferos é sempre intenso, o príon funciona como um verdadeiro motorista, carregando outras proteínas para dentro das células. "Ele é um curinga atuando na superfície celular; age como uma plataforma dinâmica",diz.

O fato de a falta da proteína sadia poder desencadear as doenças do cérebro, porém, segundo Linden, não significa que o acúmulo de proteínas anômalas não esteja ocorrendo também. São processos simultâneos, dizem os cientistas.

Canibalismo

Cientistas identificaram até hoje cinco tipos de doenças do encéfalo ligadas a problemas com príons. Uma delas, o kuru, teve origem em rituais canibalísticos, afetando sobretudo mulheres e crianças. Elas entravam em contato com cadáveres contaminados e adoeciam. Com o fim dessa prática, ela foi erradicada por completo.

Já a doença de Creutzfeldt-Jakob é de origem espontânea. O príon para de funcionar, simplesmente. A variação mais recente desse tipo da doença, porém, teve origem contagiosa, no Reino Unido, nos anos 1990. Centenas de pessoas morreram após terem comido carne contaminada com o mal da vaca louca. No mundo, a doença de Creutzfeldt-Jakob atinge em média um indivíduo em cada um milhão de pessoas.

Outras doenças priônicas conhecidas dos médicos são a síndrome de Gerstmann-Straussler-Scheinker e a insônia familiar fatal, ambas hereditárias e extremamente raras.



Fonte: Folha de São Paulo

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