24/1/2008
O boi, o brinco e a União Européia

Nas últimas semanas, a expectativa tem sido grande em relação ao futuro das exportações de carne bovina para União Européia (UE). O principal mercado importador do Brasil corre o risco de não ter mais carne brasileira, por motivos muito mais brasileiros que europeus. A situação atual é difícil de se entender: o Brasil tem dificuldade de se organizar para fornecer para o mercado que é teoricamente seu melhor mercado. Nesse mesmo momento, não se recebe notícias de que a Argentina ou Uruguai têm problemas para continuar o fornecimento de carne para UE. Se nossos vizinhos não estão tendo grandes problemas (como os nossos), de quem é a culpa dos problemas no Brasil?

Um documento publicado pela UE, com data de 17/01/2008 diz que "Desde 2003 que têm sido identificadas deficiências relacionadas com requisitos de importação para carne bovina. Algumas destas deficiências foram resolvidas pelo Brasil, no entanto, durante missões recentes da Comissão, foram identificados exemplos graves de descumprimento no que se refere ao registo das explorações, a identificação dos animais e ao controle das movimentações, bem como a inobservância dos seus compromissos anteriores no sentido de adotar as necessárias medidas corretivas".

Vale repetir trecho da última frase: "inobservância dos seus compromissos anteriores". O que o Brasil (em especial o Mapa) tem feito para responder a resposta negativa da UE em relação a rastreabilidade bovina? Vem criando novas regras e novas restrições. Em 25/08/2005, publiquei um editorial Execução e o Sisbov, em que resumia os conceitos centrais do livro aclamado de negócios "Execução", cuja definição é "A lacuna entre o que os líderes da empresa querem atingir e a habilidade de sua organização em conseguir atingir". No artigo citava "as estratégias dão errado mais frequentemente porque não são bem executadas e não porque não são boas estratégias... a maioria não encara a realidade muito bem... executar é uma forma sistemática de expor a realidade e agir sobre ela". Um plano simples para conseguir fazer com que sua estratégia aconteça é: 1-dizer de forma clara e simples o que quer, 2-orientar e discutir como obter esses objetivos e 3-recompensar os resultados.

Minha reflexão sobre os recentes acontecimentos relacionados ao Sisbov é de que falta execução e sobra estratégia. O problema com a UE não é que temos regras recusadas por eles, mas que nós (nas palavras deles) "inobservamos compromissos anteriores". Não precisamos criar novas regras, novas exigências, novas dificuldades. Precisamos sim, fazer com que as regras antigas sejam efetivamente seguidas. Acredito que possamos inclusive requerer uma diminuição do número de exigências, desde que acompanhado do aumento da severidade com que poucas regras são cumpridas. Segundo declaração da UNICEB, entidade italiana filiada a UECBV, "Is DG SANCO really sure that the twelve new EU Member States are fully applying traceability in the bovine sector and that all the approved slaughterhouses are complying with the EU provisions?", em tradução livre "Será que todos os estados membros da UE estão realmente cumprindo todas as exigências de rastreabilidade?".

André M. Nassar, diretor geral do Icone, em artigo "Sem governo não vai dar", afirma "o caso da rastreabilidade provou que o governo ainda não consegue bater de frente com os europeus e evitar que suas crescentes exigências sanitárias se transformem, na prática, em barreiras comerciais. Por ora ainda tenho dificuldade de enxergar os diversos Ministérios atuando de forma coordenada para virar o jogo e evitar usos indevidos". Continua, "as conclusões da missão mostram que o governo falha quando a política é de sua responsabilidade".

Pedro de Camargo Neto, pecuarista e presidente da ABIPECS, em seu artigo "Um apagão sanitário" , afirma que "A decisão da União Européia de restringir o acesso da carne bovina não deveria causar surpresa. É resultado de uma série de missões de auditoria na política pública do setor onde os problemas identificados e as ausências de solução se repetiram. A credibilidade do Brasil se esvaiu. A restrição agora imposta representa, além do econômico, importante retrocesso político. Fica mais uma vez evidente a deterioração da credibilidade dos interlocutores brasileiros". Complementa, afirmando "o pecuarista precisa passar a participar do processo com maior competência. Um eventual embargo e perda maior de mercado terá conseqüências desastrosas. É ele quem vai pagar esta conta". O recado está dado.

Fábio Dias, diretor executivo da Assocon, em seu artigo "Novas diretrizes do DIPOA, Circular nº 898", afirma "infelizmente, as coisas estão ficando cada vez mais difíceis para quem quer produzir para exportação dentro do Sisbov". Segundo ele, com as novas regras, economicamente, não vale a pena o esforço e investimento extra para se adequar ao Sisbov. O custo do sistema e o alto risco de desclassificação tornam economicamente desinteressante para o confinador seguir com o Sisbov.

O atual Sisbov e exigências do Mapa parecem estar conseguindo o contrário do desejado: impedir que existam exportações de carne bovina brasileira para UE, pelo simples motivo de que não haverá pecuaristas suficientes interessados em produzi-la. O artigo "Por que não vou aderir ao novo Sisbov" com suas mais de 70 cartas é uma boa indicação disso.

É uma situação surpreendente, visto que esse é o melhor mercado para a carne brasileira. Qual a definição de "melhor mercado"? Acredito que seja o mercado que permita maior agregação de valor para nosso produto, sendo agregação entendida como maior diferença entre valores recebidos e custos envolvidos. Estamos conseguindo aumentar os custos envolvidos de forma muito mais "eficiente" que nossos vizinhos uruguaios e argentinos, que precisam seguir as mesmas regras da UE que o Brasil.

O mercado internacional de produtos agrícolas, em especial de proteína animal, está muito favorável aos países produtores, com destaque para o Brasil. A demanda é crescente e a oferta não está sendo suficiente para baixar preços. Precisamos aproveitar essa "onda" de bons preços internacionais e alta demanda por nosso produto, sem "atar nossas próprias mãos".

Como disse o Prof. David Hughes, do Imperial College of London, em sua palestra "The Future of Beef: A Consumer Perspective", no seminário em que participei como palestrante nos EUA no ano passado: "quem é o primeiro do mundo precisa mostrar liderança, especialmente liderança em segurança alimentar". E liderança nos dias de hoje, significa principalmente capacidade de executar. Conseguir coordenação e foco para que a UE continue sendo nosso "melhor mercado" é uma prova importante para a maturidade da cadeia da carne brasileira e seu preparo para o mercado atual: promissor e exigente.


Fonte: Beef Point

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